Seguidores

sábado, 17 de setembro de 2011

A dinossaura


Aos 57 anos, Vanessa continua sentando a bota

Por Ana Paula Alfanao
Com um vestido curto de lurex, a mulher entrou no elevador descalça, sandália de salto na mão. Era a terceira vez naquela semana que seu olhar e o da futura psicóloga Vanessa de Figueiredo Protasio, na época ainda estudante, moradoras do mesmo prédio, se cruzavam, meio na dúvida entre o "boa noite" e o "bom dia". O sol ainda nem tinha despontado naquela manhã de verão de 1982. Mas para a carioca Vanessa, tênis nos pés, short, regata, pronta para mais um treino na Lagoa Rodrigo de Freitas, o dia já começara. "Foram muitos encontros silenciosos, até que a moça virou para mim e soltou: 'Olha, alguma coisa está muito errada aqui. Ou eu estou chegando em casa tarde demais ou você é que está madrugando'. Respondi apenas com uma risada e segui para a minha corrida", lembra a psicóloga. Vanessa não sabe dizer se a mulher sobreviveu à loucura da era da discotèque, as duas não se viram mais. Já ela, hoje com 57 anos, segue firme em seus treinos. O currículo de três décadas da corredora já tem mais de 150 provas, 16 maratonas e cerca de 40 troféus pelas primeiras colocações que conquistou.

Sim, troféus. Vanessa é uma corredora de respeito. Ainda hoje é o terror da categoria 55-59 anos. Presença constante no topo do pódio. No meio do caminho pintam algumas zebras, claro. Na Maratona do Rio de Janeiro de 2010, com o tempo de 3h41min30, chegou 21 segundos atrás da campeã da faixa etária. Ela diz que tudo bem ter cruzado a linha em segundo. Mas quem a conhece sabe: bem, mesmo, nunca está. A mulher é movida a competição.
"Com todo o respeito da palavra, a Vanessa é a maior dinossaura da corrida do Rio de Janeiro", diz Lauter Nogueira, seu treinador. O início foi meio por acaso, e sem orientação. "Era 1981, eu tinha uns 27 anos e achava que estava um pouco acima do peso. Desci com uma calça de moletom para a Lagoa e, já nesse primeiro dia, dei a volta inteirinha [7,5 km] correndo. Fiquei toda dolorida, até o meu cabelo doía. O jeito foi eu voltar no dia seguinte e dar outra volta, para ver se a dor melhorava."
Corrida "roots"
De volta em volta na Lagoa, quatro meses mais tarde ela completou sua primeira maratona no Rio, na época chamada Maratona Atlântica Boavista. "Meu maior longo até ali tinham sido três voltas na Lagoa", conta Vanessa, que foi, já na estreia, a quarta colocada na categoria. Com o bom resultado, ela obteve do Departamento de Esportes da PUC, onde estudava, uma bolsa de estudos e um treinador. O ano seguinte, 1982, foi o ano de ouro de sua "carreira": venceu a Corrida da Ponte e a Maratona do Rio, e traçou a meta: correr uma maratona abaixo de 3 horas. Em novembro de 1982, ela marcou 3h00min29 na Maratona de Nova York, seu recorde até hoje. “Aconteceu uma coisa muito louca. O corpo travou no km 42, com 2h59 de prova. Como se estivesse programado para não funcionar além das 3 horas. Eu me arrastei até o fim."
"A gente fazia a prova com roupa de algodão, não havia esses tecidos de hoje. A meia era de longe o que mais nos fazia sofrer. Ela encharcava e a certa altura surgiam as bolhas de sangue debaixo dos dedos. Doía demais. Também não tinha frequencímetro, nem dava para carregar aqueles walkmen gigantes de fita cassete na cintura. Isso foi bom, porque nunca corri com música. Aprendi a ouvir o ritmo da batida do meu coração, e faço isso até hoje", diz.
Vanessa se lembra com saudade dos anos 80. "Tínhamos poucos recursos, mas muito respeito pela corrida. Ninguém cortava caminho, nem pegava chip de amigo para burlar a faixa etária, até porque nem existia chip. A gente não corria por correr, corria para ser cada vez melhor", explica. "Hoje a pessoa mal treina e quer correr meia maratona, maratona. Quer completar. A gente queria arrebentar." E ela quer até hoje: treina diariamente às 5h15, folga só às segundas-feiras. Quando está inscrita numa maratona, roda de 150 a 200 km semanais. "Meu filho, que é engenheiro, fez umas contas do que eu já corri até hoje e disse que dá umas duas voltas na Terra."

MATÉRIA DA RUNNER'S WORLD BRASIL

Nenhum comentário:

Postar um comentário